Bem que eu já tinha percebido que há queijos e queijos. Com meu talento natural para ficar entupida, encatarrada y otras cositas más quando como queijo, os "curados" me pareciam diferentes, amigáveis quando não inofensivos, e infinitamente mais saborosos do que os queijos comuns.
Mas nem sempre. Algo me escapava entre a origem e os efeitos. Precisei ir a Belo Horizonte dar um curso, meses atrás, para me iniciar na verdadeira questão: as regiões altas de Minas Gerais ainda produzem queijo com leite cru, não pasteurizado, que ao passar algumas semanas maturando fica livre de qualquer micróbio nocivo e por isso se chama curado. "Curado de quê?", pergunta o diretor Helvécio Ratton. "Das doencinhas do queijo", responde o produtor mineiro.
Esse diálogo acontece no filme O mineiro e o queijo , documentário sobre a vida e o trabalho de quem mantém a tradição queijeira há cinco ou seis gerações, desde que os portugueses da Serra da Estrela trouxeram para a região a sua própria cultura. Foi o início do queijo "minas", famoso no mundo. Só que em 1950, tomado por uma febre higienista importada dos Estados Unidos, o governo brasileiro decretou que todo leite teria que ser pasteurizado antes de virar alimento. Desculpa: para combater brucelose, tuberculose e qualquer outra infecção que a teta da vaca pudesse transmitir. Assim se poderia consumir o queijo fresco, sem esperar pela cura.
A cura não acontece quando o leite do queijo é pasteurizado. Cru, ele contém enzimas e lactobacilos que com o passar dos dias trabalham as proteínas e o açúcar do leite tornando-o mais fácil de digerir. Como os bons queijos franceses e italianos, pode ser oferecido até como auxiliar da digestão depois de almoços e jantares. É a combinação de microorganismos do leite e do ar local que faz o serviço. Se o leite for pasteurizado, porém, terá apenas bactérias mortas; ele coalha, sim, e solta o soro, sim, mas é mera massa proteica coagulada, com baixo índice de acidez e alta propensão a ser indigesto.
Queijos curados verdadeiros passaram a ser vendidos por baixo do balcão. Com medo da vigilância sanitária, o comerciante começava respondendo que não tinha. Depois de conhecer o freguês, aí sim o queijo, já de casca grossa, amarelada, finalmente aparecia.
Serra da Canastra, Serro e Alto Paranaíba são as regiões de excelência comprovada para essa produção. O processo é praticamente o mesmo, mas os queijos saem diferentes em sabor e consistência. Hoje se chamam "queijos artesanais de Minas" e fazem parte do patrimônio cultural imaterial brasileiro. Não confundir com os "tipo minas" e "minas padrão" com que as multinacionais dos laticínios nos enganam. Os bons ainda são, infelizmente, para os poucos que podem ir a Minas comprar.
Cultura mineira: Defendendo o verdadeiro queijo Minas
posted 2021 Jul by
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